sexta-feira, 28 de outubro de 2011

De Espanha nem bom vento …


De Espanha nem bom vento …[i]


«Um dos primeiros erros do mundo moderno é presumir, profunda e tacitamente, que as coisas passadas se tornaram impossíveis» ― G. K. Chesterton

A polémica estalou durante o X Congresso da Advocacia espanhola, que se realizou em Cádis na passada semana sob o lema “Uma Constituição para os cidadãos”.
Falando sobre a época de Filipe IV (Filipe III de Portugal), as revoltas de portugueses e catalães e a crise de 1640, Gregorio Peces-Barba questionou a preferência, na altura, pela Catalunha em detrimento de Portugal e interrogou-se sobre se a opção tivesse sido diferente: «Igual nos hubiera ido mejor si nos hubiéramos quedado con Portugal y no con Cataluña».
Tais declarações talvez tivessem passado despercebidas não fora, quer o local em foram produzidas, quer o autor um conhecido político socialista e ex-presidente o parlamento espanhol, distinto jurista e professor catedrático e um dos redactores da Constituição espanhola de 1978. Como se não bastasse, a intervenção de Gregorio Peces-Barba foi antecedida de uma outra, de Pérez Llorca, sobre risco de uma fractura de Espanha em consequência de processos independentistas.
A indignação instalou-se imediatamente entre os advogados catalães presentes, ainda que Gregorio Peces-Barba tivesse prontamente desvalorizado o incidente, justificando-se com o facto de a frase haver sido proferida em tom de brincadeira: «hubiera habido un problema gordísimo, porque nos perderíamos los encuentros entre el Real Madrid y el Barcelona».

Por razões históricas e geoestratégicas bem conhecidas, as relações com Espanha, quer políticas, quer económicas, têm um peso, como com nenhum outro país, nos destinos de Portugal.
Até no âmbito diplomático os espanhóis conseguem condicionar a política externa portuguesa.
Na verdade, no confronto geopolítico entre as potências regionais da Europa – Reino Unido “e outros” versus “eixo franco-alemão” –, a actuação espanhola tem sido capaz de fazer com que a diplomacia portuguesa apenas reaja às investidas castelhanas. Basta relembrar o célebre episódio da Cimeira das Lajes, em 2003, em que o Governo português, então liderado por Durão Barroso, teve de, porventura, “cobrir o jogo” dos espanhóis, que governados por José Maria Aznar “subiram a parada”, derivando da tradicional política de fortes ligações com a Europa, o mundo hispânico (em particular com Cuba) e alguns países muçulmanos (p. ex. Marrocos)[ii] para o “eixo atlântico” em que Portugal tradicionalmente aposta.
Nas próximas eleições de Novembro em Espanha, as sondagens alvitram o regresso ao poder do Partido Popular, corrigindo, assim, o povo espanhol o voto emotivo de Março de 2004, no rescaldo dos atentados de Madrid.

Ficam dois sinais que devem pôr os portugueses atentos ao que se passa no outro lado da fronteira já que os ventos espanhóis são bem nossos conhecidos.


[i] Sobre a origem do provérbio, Arnaldo Saraiva, “De Espanha nem bom vento...”, in “Estudos em homenagem a João Francisco Marques”, p. 383-385 (Porto, FLUP, 2001)
[ii] De notar que já em 2002 o incidente do ilhéu de Leyla/Perejil foi mediado pelos Estados Unidos.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

«THE pessimist is commonly spoken of as the man in revolt. He is not. Firstly, because it requires some cheerfulness to continue in revolt, and secondly, because pessimism appeals to the weaker side of everybody, and the pessimist, therefore, drives as roaring a trade as the publican. The person who is really in revolt is the optimist, who generally lives and dies in a desperate and suicidal effort to persuade all the other people how good they are. It has been proved a hundred times over that if you really wish to enrage people and make them angry, even unto death, the right way to do it is to tell them that they are all the sons of God.»

G.K.Chesterton: 'The Defendant.'

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Hispânia ou Hispania?

Se o risco de desintegração da União Europeia nos coloca a questão do futuro político da Europa, nomeadamente do edifício político europeu que se poderá construir com os escombros: o velho sonho europeu dos “Estados Unidos da Europa”? Também é verdade que, por outro lado, no caso do, quase certo, desmoronamento da União Europeia, o futuro político da Península Ibérica pode passar por diversas vicissitudes.
Se no contexto de um federalismo europeu, Portugal, um país periférico e sem peso populacional ou económico expressivos, corre sérios riscos, ou de se “diluir” no cada vez maior número de países membros da União Europeia, ou de acabar, pela força centrifugadora de Castela, como (mais) uma província espanhola, no contexto da uma Península Ibérica qual «jangada de pedra», as diversas autonomias latentes tendem a querer impor-se: na vizinha Espanha, o País Basco, a Catalunha e a Galiza não são os melhores exemplos de fidelidade e submissão à Coroa espanhola, podendo a sucessão do Rei Juan Carlos I, que este ano completou 70 anos de idade, ser o momento de ignição da afirmação independentista.
Não parece, no entanto, que estejamos apenas perante uma simples fragmentação da Espanha, mas perante uma inovadora divisão da Espanha e também de Portugal, como forma de quebrar as tendências centralistas de Madrid: à actual Espanha – segundo maior país da Europa Ocidental e da União Europeia e no “top ten” mundial do PIB nominal – o território português (e a sua população) é exactamente o que lhe falta para se guindar ao convívio das grandes potências europeias.
Esbatida a importância das fronteiras físicas, já obsoletas, será de equacionar a reorganização política da península por diversas regiões, ancoradas numa espécie de “cidades-estado”, num recentramento municipalista (ou regionalista) da divisão política e/ou administrativa peninsular.
O antigo sonho da velha Hispânia finalmente cumprido?

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

«Milagre seria que Portugal tivesse escapado incólume de todos os graves e profundos acontecimentos que, durante os séculos XXI e XXII, tanto mudaram a face da ecúmena. No hemisfério norte, o desabamento económico, social e político de todos os países de alta industrialização, desde os japoneses no extremo leste até os americanos na ponta ocidental, fez que o País sofresse as repercussões de toda a perda de rumo da Europa, justificando os que sempre tinham estado contra a chamada integração no igualmente chamado Mercado Comum; por outro lado, os levantamentos dos povos asiáticos, dos africanos e dos americanos ibéricos (…) tiveram igualmente efeitos não só em Portugal como em toda a Península, que finalmente veio a mostrar-se solidária e a tomar consciência de que os seus recursos culturais e humanos poderiam desempenhar grande papel na transformação para melhor do hemisfério a que geograficamente pertence.» - Agostinho da Silva – Portugal ou Cinco Idades (1982)