domingo, 5 de agosto de 2012

Crónica dos bons malandros?



«Nunca é tarde demais para ser aquilo que sempre se desejou ser.» ― George Eliot



Com honrosas excepções, o tema da mobilidade social tem passado ao lado do debate ideológico em Portugal.

Uma dessas excepções aconteceu na edição do Jornal “Público” deste fim-de-semana, onde são publicadas as primeiras reportagens, e conclusões, dum estudo sobre um tema, realizado junto dos leitores da versão “online” daquele diário.

A questão da mobilidade social é a de estudar «toda a passagem de um indivíduo ou de um grupo de uma posição social para outra, dentro de uma constelação de grupos e de status sociais», como define a Wikipédia. «As classes médias alargaram-se: mas houve mobilidade social ou melhorámos apenas as condições de vida?», questiona o “Público”.

A mobilidade social assume particular importância porquanto, como ensinam as melhores teorias, «o cruzamento das origens de classe com os lugares ocupados no sistema de estratificação tem um duplo efeito: enquanto os grupos em ascensão tendem a adoptar os valores e atitudes dos lugares de chegada, os grupos em queda tendem a manter os valores e atitudes dos lugares de origem» [Manuel Villaverde Cabral, “Mobilidade social e atitudes de classe em Portugal”, Análise Social, vol. xxxiii (146-147), 1998 (2.º-3.°), p. 381-414].

Em Portugal, no entanto, a mobilidade social continua mais baixa do que noutros países desenvolvidos, segundo um estudo da Organização para a Cooperação Económica (OCDE), que conclui o nosso País é um dos países onde a educação e o contexto económico dos pais mais influencia o salário ganho pelos filhos, o que nos coloca como tendo um dos piores índices de mobilidade entre gerações.

É geralmente admitido que a educação é o motor determinante da mobilidade social, o que se traduz no facto do filho de alguém licenciado ter muito mais probabilidade de ter melhor salário que alguém que nasceu numa família com fracas habilitações. No entanto, a estratificação social separa na escola os filhos das famílias com mais poder económico dos filhos das famílias mais desfavorecidas.

As políticas socialistas da última década e meia conduziram, pelo facilitismo e desresponsabilização, a uma maior estratificação, educacional, do conhecimento e das relações sociais, com evidente penalização da meritocracia e da efectiva igualdade de oportunidades. A verdade é que os que tiveram mais condições de concluir os seus estudos são também os que provêm de famílias que lhes incutiram, paralelamente à aprendizagem das primeiras letras, normas de disciplina, trabalho, respeito pelos valores do estudo e preparação académica.

Paralemente à desigualdade social, cresce a desigualdade cultural e de conhecimento, em sentido amplo. Numa recente crónica no Jornal “Expresso”, Clara Ferreira Alves sintetizou o actual estado da cultura: «em vez de discutirmos ideias discutimos comida. A gastronomia é uma nova filosofia. Ferran Adriá é o sucessor de Cervantes e de Ortega Y Gasset.».

De igual modo, o Estado, isto é, a administração pública central, local e regional, foram alvo duma invasão partidária sem limites e sem paralelo. Os actuais políticos são uma geração de políticos profissionais, iniciados nas juventudes partidárias e com reduzida ou nula experiência profissional: José Sócrates, Paulo Portas, Pedro Passos Coelho, António José Seguro e António Costa são o exemplo acabado de que se acaba de afirmar. As juventudes partidárias são o ninho dos actuais políticos, sem ideias que não sejam a há muitos defendidas pelo partido, sem carreira profissional conhecida que não seja uma filiação e militância políticas que, na maioria das vezes, repercutiu-se na falta de conclusão da formação académica e na deficiente experiência profissional, baseada, neste último caso, unicamente em cargos de nomeação ou indicação política.