segunda-feira, 17 de setembro de 2012



Ainda não sei onde estavas nas últimas décadas

«A dívida de hoje é o roubo de ontem»

Ainda a banhos com um Verão tardio, o País assistiu a manifestações no passado Sábado, 15 de Setembro, que ocorreram por várias cidades, juntando, segundo alguma imprensa, mais de 500 mil pessoas, que protestaram contra tudo e contra todos, catapultados para as ruas pelas medidas anunciadas pelo Primeiro-Ministro, Passos Coelho, na passada semana.
Dentre as várias frases e palavras de ordem visíveis nas imagens que pululam pela imprensa e redes sociais, fixei uma que podia ler-se num dos cartazes empunhados pela multidão:
«A dívida de hoje é o roubo de ontem».
Se é certo que é legítimo as pessoas manifestarem-se, como, de resto, já se haviam manifestado em Março do ano passado, ainda o Governo era liderado por José Sócrates, pergunto-me: onde estava esta gente quando os anteriores Governos desbarataram o dinheiro – que não tinham –, em PPPs, em rendas garantidas a investidores privados nos sectores da energia, dos transportes e da saúde, na Expo98, nos estádios do Euro2004, nos computadores “Magalhães” inconsequentes, nas autoestradas desnecessárias, no crescimento desmesurado do emprego e dos gastos na administração pública central, local e regional, em investimentos improdutivos, irrealistas e fantasmagóricos, etc?
Quantas manifestações foram convocadas para protestar contra a construção do TGV, a criação de fundações, observatórios, empresas municipais, e demais entidades sem qualquer utilidade que não seja dar empregos aos militantes dos partidos que nos governam há 35 anos?
Aliás, se bem me lembro, o anterior Governo, socialista, insistia em construir a linha de TGV semanas antes de pedir ajuda financeira internacional, e não se convocou nenhuma manifestação.
Que fizeram o Tribunal de Contas e o Tribunal Constitucional para travar o desvario orçamental e a anunciada ruptura financeira do Estado?
Por onde passeavam e com que se ocupavam os Presidentes da República Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva que promulgaram sucessivos orçamentos deficitários?
Depois da euforia das últimas décadas, caímos na realidade, e devíamos sentirmo-nos envergonhados por termos desbaratado quantias escandalosas de dinheiro em tão pouco tempo e de forma tão leviana.
Decorre da mais elementar sensatez que os nossos credores, com vista serem reembolsados, imponham condições – como impuseram! – para a continuidade do empréstimo com que se comprometeram financiar o País. Queixamo-nos de quê?
Apesar de durante décadas termos votado, tipo "ping-pong", nos partidos políticos que nos colocaram nesta situação, parece que temos o direito de sucessivamente errar e protestar, especialmente quando nos “mexem no bolso”. A isto chamam, pomposamente, Democracia.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Crónica duma reforma anunciada



«O tempo pergunta ao tempo, quanto tempo o tempo tem, e o tempo responde ao tempo, que o tempo tem tanto tempo, quanto tempo o tempo tem.»

O último mês ficou, em termos legislativos, marcado pela publicação de, há muito aguardada, alteração do regime do Arrendamento Urbano, com entrada em vigor em meados do mês de Novembro.
Seguindo o adágio popular segundo o qual “o tempo resolve tudo”, a aposta é a de a passagem do tempo resolva os actuais e prementes problemas, daí se aposte numa “reforma” sem grandes e claras vantagens no imediato: a alteração que visa, no essencial, a aplicação do actual regime do arrendamento aos regimes de “contratos antigos”, isto é, os contratos de arrendamento celebrados, grosso modo, antes de 1990, contém, porém, uma excepção que a torna inaplicável à larga maioria dos actuais contratos em vigor.
Como veremos, uma coisa é a letra da lei, outra, bem distinta, é a sua aplicabilidade prática.
No panorama do mercado imobiliário português detecta-se que cerca de 12,5% dos alojamentos existentes em Portugal estão vagos e que 76% dos portugueses são donos da sua habitação, o que se traduz num elevado endividamento das famílias. Por outro lado, a reforma do arrendamento de 2006 não logrou, especialmente no que concerne aos arrendamentos antigos, atingir os resultados a que se propôs, qual fossem a dinamização do mercado de arrendamento e a requalificação e revitalização das cidades.
Mais importante é que a análise do mercado de arrendamento no que concerne aos “contratos antigos”: em 2011 os contratos celebrados antes de 1990 representavam 33% dos contratos de arrendamento em vigor em Portugal, sendo que nestes, 60% dos inquilinos têm mais de 65 anos de idade. Ainda segundo os mesmos dados, em 70% destes contratos a renda mensal é inferior a 100€.
Acontece, pois, como vimos alertando, que mau grado a propalada aproximação dos regimes, nomeadamente, quanto aos contratos habitacionais, pela possibilidade de livre denúncia, pelo senhorio, dos contratos celebrados por duração indeterminada nos mesmos termos aplicáveis aos novos contratos, tal possibilidade está afastada quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos (ou deficiência com grau de incapacidade superior a 60%). Ou seja, na prática, o pilar desta reforma do arrendamento urbano é inaplicável a 60% dos inquilinos, restando aos senhorios, em circunstâncias muito precisas e onerosas, a possibilidade de actualizar a renda, que em 44% dos contratos antigos é inferior a 50€ por mês.
O número de contratos de arrendamento celebrados antes de 1990 diminui mais de 40% nos últimos 10 anos (de cerca de 440 mil para 255 mil) e continuará a diminuir nos próximos anos, porque a lei natural da vida se encarregará que assim seja, … por isso a passagem do tempo resolverá o que nenhum executivo, nem com a desculpa das “exigências da Troika” teve a coragem de fazer.