segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Conseguirá o Presidente da República terminar o mandato com dignidade?


                                                                                       
                                                                          «O que me preocupa não é o grito dos maus.
                                                                           É o silêncio dos bons.» 
                                                                           MARTIN LUTHER KING

«Eu descontei quase 40 anos (….) Irei receber 1.300 euros por mês, não sei se ouviu bem: 1.300 euros por mês. Quanto ao fundo de pensões do Banco de Portugal … eu ainda não sei quanto irei receber. (…) Tudo somado … quase de certeza que não vai chegar para pagar as minhas despesas.»
As declarações do Presidente da República, Cavaco Silva, são uma verdadeira provocação a todos os portugueses, sejam trabalhadores, reformados, desempregados, empresários ou estudantes.
Em primeiro lugar, porque proferidas pelo mais alto magistrado da Nação, no pleno exercício das suas funções: a dignidade e elevação que se espera de um Presidente da República não são compatíveis com estas afirmações. Cavaco Silva ofendeu o cargo ao dizer o que disse e nos termos em que o fez.
O Presidente da República Cavaco Silva provocou os reformados ao queixar-se da sua reforma: segundo dados de 2009, 85% dos idosos portugueses têm um rendimento mensal igual ou inferior a 409,50 euros, valor à altura da reforma mínima do regime geral, que actualmente é de 379,04 euros. Segundo tais dados, a média mensal era, no mesmo ano, de 387 euros e cerca de três quartos dos 2,5 milhões de reformados por velhice e invalidez em Portugal recebiam uma pensão de valor até um salário mínimo nacional.
Como se sabe, se não fossem outros apoios, da Segurança Social, de instituições de solidariedade social e das famílias, a maioria dos nossos idosos não conseguiria sobreviver com os rendimentos que recebem no final de cada mês.
Perante estes valores, percebe-se a zombaria, acompanhada, quiçá, de uma risada, com que a maioria dos reformados portugueses reagiu às lamúrias do Presidente da República. De todos os quadrantes políticos multiplica-se a troça, o gozo, achincalho mesmo.
Se Cavaco Silva já não tinha o respeito que julga ter, arranjou agora um motivo de ridicularização e chacota. Arrisca-se, mesmo, a ser vaiado e apupado pela populaça.
Em segundo lugar, porque proferidas por quem conduziu e, nos últimos anos, apoiou e caucionou as políticas que nos deixaram na situação de “bancarrota” em que estamos.
Como escreveu José António Barreiros, «Hoje o Presidente é um homem só, muitos dos seus amigos caíram nas teias da lei, outros foram saindo à formiga. (…) E haja piedade, se não pelo Presidente, ao menos por aquilo que vai suceder a este pobre Portugal.».
Cavaco Silva arrisca-se que, um destes dias, alguém venha pronunciar aquela frase assassina: «Quero ajudar o Senhor Presidente a acabar o mandato com dignidade!», com que o mesmo Cavaco Silva incendiou, como Primeiro-Ministro, as relações com o então Presidente, Mário Soares.
Por mim, penso que depois de tais desastrosas palavras, o Presidente da República não tem condições para continuar no cargo: noutro qualquer País desenvolvido se não tivesse saído pelo seu pé até ao final do dia em que produziu as injuriosas afirmações, alguém cuidaria de o fazer abalar o mais rapidamente possível. Em Portugal, Cavaco Silva continuará tartamudeando sozinho entre os jardins do Palácio de Belém e a Travessa do Possolo, … até que alguém lhe diga que já não é Presidente de gente alguma.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Andamos distraídos ou fazem de propósito para nos distrair?


«Alguns príncipes, para manter, em segurança o Estado desarmaram os seus súbditos; outros, mantiveram divididas as terras subjugadas; outros nutriram inimizades contra si mesmos; outros, ainda, voltaram-se a conquistar os que lhes eram suspeitos no início do governo; alguns edificaram fortalezas, outros as arruinaram e destruíram» Maquiavel

Nos últimos dias o País centrou a actividade noticiosa em duas questões: a transferência para outro Estado da União Europeia da sede do maior accionista individual dum grupo económico ligado, principalmente, à distribuição alimentar levantou grande controvérsia, e a actividade e fiscalização dos “serviços secretos”, isto é do serviço de informações da república portuguesa, tendo sido abordada por um ângulo errado. Questões de “mercearia e avental”, como glosou um meu amigo.  
Andamos distraídos ou fazem de propósito para nos distrair?
A decisão do Grupo Jerónimo Martins de vender a totalidade do capital que detinha à sua subsidiária holandesa suscitou uma onda de comentários, na comunicação social, no Parlamento, nas redes sociais. Mas será, ou não, legítimo aos Países promoverem o investimento estrangeiro? Será legítimo à Holanda promover uma espécie de 'dumping' fiscal para competir com os restantes Estados-membros da União Europeia? Não fazem os portugueses o mesmo? ... ainda que, como é hábito, de forma menos eficiente! O investimento estrangeiro em Portugal, de que a Autoeuropa é o principal projecto, tem sido um sucessivo objectivo dos vários executivos portugueses, como o é do actual Governo, tal como resulta do Programa do XIX Governo Constitucional: «um dos principais eixos de acção da política externa portuguesa deve ser …. captação de investimento estrangeiro». Porquê, então, a celeuma, principalmente quando se sabe que 19 das 20 empresas cotadas no índice bolsista português PSI-20 têm a sede noutros países para pagarem menos impostos? Em vez de nos queixarmos, devemos tornar o País e a economia portuguesa atractivos, primeiro para as empresas portuguesas, depois para o investimento estrangeiro. Ser empresário em Portugal é um acto quase heróico: temos um sistema fiscal complexo que exige enormidades de dinheiro, em taxas, impostos e outras alcavalas a quem arrisca um tostão sequer num negócio, um sistema judicial que não protege os credores nem tão-pouco as empresas em dificuldades, um sistema bancário que desconfia do empreendedorismo, mas vamos pela solução mais fácil: a crítica pela crítica. Notícia não é a décima nona empresa do PSI-20 ter mudado a sede para o estrangeiro em busca de vantagens fiscais e estabilidade fiscal, notícia é haver ainda uma que se mantém estoicamente em Portugal.
Quanto às “secretas”, também aí o Programa de Governo é explícito na reforma que reserva para os serviços de informação da república portuguesa: «Valorizar o papel das informações, consagrando medidas de reforço de coordenação da sua actividade, que poderão passar pela implementação de um serviço único, com direcções separadas para a área interna e para a área externa, mas com serviços técnicos e de apoio conjuntos». Só um tolo não estaria à espera duma “luta de poder” dentro dos serviços de inteligência para ascender a “superdirector” do novo serviço de informações que englobará os actuais SIS e SIED! Mas o que preocupa – e devia preocupar-nos a todos – é que os serviços secretos andem em “roda livre” há largos meses, sem que o respectivo Conselho de Fiscalização (que tem por missão o controlo do serviços de informação da república portuguesa e é composto por três cidadãos eleitos pela Assembleia da República) cumpra a respectiva missão, como foi admitido por altos responsáveis e num recente relatório: não há fiscalização rigorosamente nenhuma à actividade dos serviços de inteligência e foram praticadas diversas irregularidades. Alguém foi responsabilizado?, demitido?, questionado? Que eu tenha notícia, não.