terça-feira, 30 de outubro de 2012



Afinal, o que querem os portugueses?

«Quem tenta convencer uma multidão de que ela não está a ser tão bem governada como deveria ser, nunca deixará de ter ouvintes atentos e favoráveis.» ― Richard Hooker


Ninguém põe em causa que o Estado tem de reduzir a despesa com o poder autárquico, mas assistimos a várias revoltas populares à porta das Assembleias Municipais que deliberaram extinguir freguesias no respectivo concelho.
Ninguém põe em causa que o Estado tem de reduzir a despesa com salários, mas quando se anunciou a intenção de não renovar os contratos a prazo de trabalhadores da função pública, logo se ouviram vozes alarmadas e antagónicas.
Temos o Povo na rua que protesta contra as várias medidas de austeridade previstas para o Orçamento de Estado de 2012, contra o Governo, contra a “Troika”, … enfim, contra tudo e contra todos. Protesta porque parece que já não sabe em quem confiar, em quem acreditar, a quem entregar seu destino enquanto parte do colectivo comum, que há mais de oito séculos se define como Portugal.
Protesta porque está farto, está farto das fundações que mais não servem que para dar guarida a políticos sem política, está farto de políticos que, entre outras coisas, se recusam a andar em carros utilitários, está farto das ruinosas parcerias público-privadas que hipotecam o futuro de gerações, está farto de credores que – como qualquer agiota que se preze – querem cobrar o juro mais alto e suportar o risco mais baixo, está farto de assessores e especialistas contratados pelos gabinetes ministeriais segundo o único critério da filiação político-partidária, está farto de privilégios corporativos que vão resistindo a todos os cortes de despesa, está farto de pareceres inócuos e estudos escusados pagos principescamente, está farto de políticos que escapam que nem enguias pelas malhas da Justiça e se (re)candidatam impunemente a cargos públicos, está farto de Presidentes da República e líderes partidários que criticam como tivessem agora chegado à política, como se o seu partido nunca tivesse suportado um Governo, … está farto de tudo e mais alguma coisa.
Parece-me, no entanto, que questão implícita na recentemente afirmação do Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, deve ser amplamente discutida na sociedade portuguesa: «Existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar». Temos que decidir que Estado almejamos, o queremos do Estado e para o Estado.
Mas antes, temos que definir em que políticos nos revemos e confiamos, que partidos políticos auguramos, … enfim, que classe política e dirigente pretendemos.
Está, pois, na altura de fazermos uma “refundação”, mas não é só do acordo com a “Troika”, sob pena de, como até aqui, mudarmos sucessivamente de Governos e andarmos ciclicamente insatisfeitos.  

segunda-feira, 8 de outubro de 2012



Esta ocidental praia, – lusitana?

«A estratégia como a aventura não existem sem estrategos nem aventureiros. Mas, como ninguém consegue permanecer toda a vida a cavalgar o sonho da aventura, nem a acertar, sem nunca errar, na lógica aleatória de ver as coisas da estratégia, há que admitir, de uma vez por todas, que o repouso do aventureiro ou a mudança de estratego constituem um bem em si mesmo.» ― Manuel Pedroso Marques (Jornal de Negócios, 13-7-2005)

Parece-me hoje ainda mais adequado iniciar este texto pelo mesmo título do que escrevi há cerca de um ano: “De Espanha nem bom vento …”.
Por estes dias Espanha fervilha não só pelas manifestações contra a política e o Orçamento de Estado do Governo de Mariano Rajoy, mas também porque a Catalunha foi palco no seu dia nacional (11 de Setembro) de uma gigantesca manifestação independentista, acompanhada de sinais políticos onde se reclama a independência. Ainda ontem, no decurso do clássico do futebolístico Barcelona–Real Madrid, os adeptos catalães gritaram sincopadamente «in-inde-independència» e exibiram centenas de bandeiras independentistas, as “estelades”.
A imprensa espanhola dá mesmo conta que o Governo espanhol pediu à Comissão Europeia que tenha uma só voz perante a deriva independentista da Catalunha e, em concreto, que interprete os Tratados quanto à possibilidade de um território (espanhol) que se declare unilateralmente independente poder integrar a União Europeia.
Quer pela via da declaração unilateral da independência da Catalunha, ainda que através de um referendo, quer pela via negocial de instauração de um Estado federalista no actual território espanhol, o risco de uma fractura do Reino de Espanha é consideravelmente alto.
Por razões históricas e geoestratégicas bem conhecidas, as relações com Espanha, quer políticas, quer económicas, têm um peso, como com nenhum outro país, nos destinos de Portugal.
Daí que estes sinais devam ser atentamente lidos pelos portugueses, nomeadamente na definição da estratégia de defesa nacional nos vários cenários de configuração da geopolítica peninsular.
O que mais convém aos interesses nacionais em caso de alteração do mapa geopolítico da península?
Como escreveu Paulo Rangel no jornal “Público” da passada terça-feira, «Portugal tem evidentemente de formular uma posição e uma estratégia de resposta, alicerçadas em fundamentos de legitimidade e no apuramento do que seja o interesse e a conveniência nacionais. Além disso, tem de traçar um roteiro para sustentar a sua posição, enquanto vizinho privilegiado e potencialmente afectado, nos fóruns europeus.»
No caso de desintegração do Reino de Espanha, o futuro político da Península Ibérica pode passar por diversas vicissitudes para as quais Portugal tem de definir, antecipada e estrategicamente, quais os seus interesses para a defesa nacional, sem esquecer que podemos não estar apenas perante uma simples de fragmentação da Espanha, mas perante uma divisão num verdadeiro Estado federalista, ao qual o território português (e a sua população) poderia proporcionar-lhe exactamente o que lhe falta para se guindar ao convívio das grandes potências europeias.
Como disse Winston Churchill, «É sempre prudente olhar em frente, mas é difícil olhar para mais longe do que pode ver-se.»