De Espanha nem bom vento …[i]
«Um dos primeiros erros do mundo moderno é presumir, profunda e
tacitamente, que as coisas passadas se tornaram impossíveis» ― G. K. Chesterton
A polémica estalou durante o X Congresso da Advocacia
espanhola, que se realizou em Cádis na passada semana sob o lema “Uma
Constituição para os cidadãos”.
Falando sobre a época de Filipe IV (Filipe III de
Portugal), as revoltas de portugueses e catalães e a crise de 1640, Gregorio
Peces-Barba questionou a preferência, na altura, pela Catalunha em
detrimento de Portugal e interrogou-se sobre se a opção tivesse sido diferente: «Igual nos hubiera ido mejor si nos
hubiéramos quedado con Portugal y no con Cataluña».
Tais declarações talvez tivessem passado
despercebidas não fora, quer o local em foram produzidas, quer o autor um conhecido
político socialista e ex-presidente o parlamento espanhol, distinto jurista e professor
catedrático e um dos redactores da Constituição espanhola de 1978. Como se não
bastasse, a intervenção de Gregorio
Peces-Barba foi antecedida de uma outra, de Pérez Llorca, sobre risco de uma fractura de Espanha em
consequência de processos independentistas.
A indignação instalou-se imediatamente entre os
advogados catalães presentes, ainda que Gregorio
Peces-Barba tivesse prontamente desvalorizado o incidente, justificando-se
com o facto de a frase haver sido proferida em tom de brincadeira: «hubiera
habido un problema gordísimo, porque nos perderíamos los encuentros entre el
Real Madrid y el Barcelona».
Por razões históricas e geoestratégicas bem
conhecidas, as relações com Espanha, quer políticas, quer económicas, têm um
peso, como com nenhum outro país, nos destinos de Portugal.
Até no âmbito diplomático os espanhóis conseguem
condicionar a política externa portuguesa.
Na verdade, no confronto geopolítico entre as
potências regionais da Europa – Reino Unido “e outros” versus “eixo franco-alemão” –, a actuação espanhola tem sido capaz
de fazer com que a diplomacia portuguesa apenas reaja às investidas castelhanas.
Basta relembrar o célebre episódio da Cimeira das Lajes, em 2003, em que o
Governo português, então liderado por Durão Barroso, teve de, porventura, “cobrir
o jogo” dos espanhóis, que governados por José Maria Aznar “subiram a parada”, derivando
da tradicional política de fortes ligações com a Europa, o mundo hispânico (em
particular com Cuba) e alguns países muçulmanos (p. ex. Marrocos)[ii] para o “eixo atlântico”
em que Portugal tradicionalmente aposta.
Nas próximas eleições de Novembro em Espanha, as
sondagens alvitram o regresso ao poder do Partido Popular, corrigindo, assim, o
povo espanhol o voto emotivo de Março de 2004, no rescaldo dos atentados de
Madrid.
Ficam dois sinais que devem pôr os portugueses atentos
ao que se passa no outro lado da fronteira já que os ventos espanhóis são bem
nossos conhecidos.