Afinal, o que querem os portugueses?
«Quem tenta convencer uma multidão de que ela não está a ser tão bem
governada como deveria ser, nunca deixará de ter ouvintes atentos e favoráveis.»
― Richard Hooker
Ninguém põe em causa que o Estado tem de reduzir a
despesa com o poder autárquico, mas assistimos a várias revoltas populares à
porta das Assembleias Municipais que deliberaram extinguir freguesias no
respectivo concelho.
Ninguém põe em causa que o Estado tem de reduzir a
despesa com salários, mas quando se anunciou a intenção de não renovar os
contratos a prazo de trabalhadores da função pública, logo se ouviram vozes
alarmadas e antagónicas.
Temos o Povo na rua que protesta contra as várias
medidas de austeridade previstas para o Orçamento de Estado de 2012, contra o
Governo, contra a “Troika”, … enfim, contra tudo e contra todos. Protesta
porque parece que já não sabe em quem confiar, em quem acreditar, a quem
entregar seu destino enquanto parte do colectivo comum, que há mais de oito
séculos se define como Portugal.
Protesta porque está farto, está farto das fundações que
mais não servem que para dar guarida a políticos sem política, está farto de
políticos que, entre outras coisas, se recusam a andar em carros utilitários, está
farto das ruinosas parcerias público-privadas que hipotecam o futuro de
gerações, está farto de credores que – como qualquer agiota que se preze –
querem cobrar o juro mais alto e suportar o risco mais baixo, está farto de
assessores e especialistas contratados pelos gabinetes ministeriais segundo o
único critério da filiação político-partidária, está farto de privilégios
corporativos que vão resistindo a todos os cortes de despesa, está farto de
pareceres inócuos e estudos escusados pagos principescamente, está farto de
políticos que escapam que nem enguias pelas malhas da Justiça e se
(re)candidatam impunemente a cargos públicos, está farto de Presidentes da
República e líderes partidários que criticam como tivessem agora chegado à
política, como se o seu partido nunca tivesse suportado um Governo, … está
farto de tudo e mais alguma coisa.
Parece-me, no entanto, que questão implícita na
recentemente afirmação do Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, deve ser
amplamente discutida na sociedade portuguesa: «Existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham
que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar».
Temos que decidir que Estado almejamos, o queremos do Estado e para o Estado.
Mas antes, temos que definir em que políticos nos
revemos e confiamos, que partidos políticos auguramos, … enfim, que classe política
e dirigente pretendemos.
Está, pois, na altura de fazermos uma “refundação”,
mas não é só do acordo com a “Troika”, sob pena de, como até aqui, mudarmos
sucessivamente de Governos e andarmos ciclicamente insatisfeitos.