«Alguns príncipes, para manter, em segurança o Estado desarmaram os seus
súbditos; outros, mantiveram divididas as terras subjugadas; outros nutriram
inimizades contra si mesmos; outros, ainda, voltaram-se a conquistar os que
lhes eram suspeitos no início do governo; alguns edificaram fortalezas, outros
as arruinaram e destruíram» ― Maquiavel
Nos últimos dias o País centrou a actividade
noticiosa em duas questões: a transferência para outro Estado da União Europeia
da sede do maior accionista individual dum grupo económico ligado,
principalmente, à distribuição alimentar levantou grande controvérsia, e a actividade
e fiscalização dos “serviços secretos”, isto é do serviço de informações da
república portuguesa, tendo sido abordada por um ângulo errado. Questões de
“mercearia e avental”, como glosou um meu amigo.
Andamos
distraídos ou fazem de propósito para nos distrair?
A decisão do Grupo Jerónimo Martins de vender a
totalidade do capital que detinha à sua subsidiária holandesa suscitou uma onda
de comentários, na comunicação social, no Parlamento, nas redes sociais. Mas será, ou não, legítimo aos Países
promoverem o investimento estrangeiro? Será legítimo à Holanda promover uma
espécie de 'dumping' fiscal para competir com os restantes Estados-membros da
União Europeia? Não fazem os portugueses
o mesmo? ... ainda que, como é hábito, de forma menos eficiente! O
investimento estrangeiro em Portugal, de que a Autoeuropa é o principal projecto, tem sido um sucessivo objectivo
dos vários executivos portugueses, como o é do actual Governo, tal como resulta
do Programa do XIX Governo Constitucional: «um
dos principais eixos de acção da política externa portuguesa deve ser ….
captação de investimento estrangeiro». Porquê, então, a celeuma,
principalmente quando se sabe que 19 das 20 empresas cotadas no índice bolsista
português PSI-20 têm a sede noutros países para pagarem menos impostos? Em vez
de nos queixarmos, devemos tornar o País e a economia portuguesa atractivos,
primeiro para as empresas portuguesas, depois para o investimento estrangeiro. Ser
empresário em Portugal é um acto quase heróico: temos um sistema fiscal
complexo que exige enormidades de dinheiro, em taxas, impostos e outras
alcavalas a quem arrisca um tostão sequer num negócio, um sistema judicial que
não protege os credores nem tão-pouco as empresas em dificuldades, um sistema
bancário que desconfia do empreendedorismo, mas vamos pela solução mais fácil:
a crítica pela crítica. Notícia não é a décima nona empresa do PSI-20 ter
mudado a sede para o estrangeiro em busca de vantagens fiscais e estabilidade
fiscal, notícia é haver ainda uma que se mantém estoicamente em Portugal.
Quanto às “secretas”, também aí o Programa de Governo
é explícito na reforma que reserva para os serviços de informação da república
portuguesa: «Valorizar o papel das
informações, consagrando medidas de reforço de coordenação da sua actividade,
que poderão passar pela implementação de um serviço único, com direcções
separadas para a área interna e para a área externa, mas com serviços técnicos
e de apoio conjuntos». Só um tolo não estaria à espera duma “luta de poder”
dentro dos serviços de inteligência para
ascender a “superdirector” do novo serviço de informações que englobará os
actuais SIS e SIED! Mas o que preocupa – e devia preocupar-nos a todos – é que os
serviços secretos andem em “roda livre” há largos meses, sem que o respectivo Conselho
de Fiscalização (que tem por missão o controlo do serviços de informação da
república portuguesa e é composto por três cidadãos eleitos pela Assembleia da
República) cumpra a respectiva missão, como foi admitido por altos responsáveis
e num recente relatório: não há fiscalização rigorosamente nenhuma à actividade
dos serviços de inteligência e foram
praticadas diversas irregularidades. Alguém foi responsabilizado?, demitido?,
questionado? Que eu tenha notícia, não.
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