Portugueses: o voto como um jogo.
«O que se está passando em Portugal, o desalento que está pesando
horrivelmente sobre a vida portuguesa, não é o sinal infalível de que se
aproxima a nossa hora extrema. Não, isto não é o Crepúsculo dum Povo.»
― Manuel Laranjeira, “O
Pessimismo Nacional”
A capacidade crítica (ou mentalidade,
como lhe chamou Fernando Pessoa) dos portugueses divide-se em três camadas –
qual a pele duma cebola –, nem sempre ligadas à tradicional estratificação
social.
Na primeira camada, ou classe,
estão aqueles sem qualquer capacidade crítica (o que modernamente é, por vezes,
designado de anafalbetismo funcional):
mesmo sabendo ler e escrever, limitam-se a acreditar (ou não) no que lhe dizem,
incapazes de formular um juízo crítico; as escolhas que fazem são,
necessariamente, por instinto – muitas das vezes baseadas apenas na crença. Na
camada seguinte, a “classe média” mental, incluem-se aqueles sendo já capazes
de criticar, de refletir, de escolher entre duas ideias, são incapazes de
burilar qualquer nova ideia, de contrapor uma ideia própria. Por contrataste
com as anteriores, a terceira camada – uma espécie de elite – caracteriza-se
por indivíduos são capazes de arguir, com argumentos próprios, uma ideia,
contrapondo-lhe pontos de vista ou pensamentos próprios.
Desenganem-se, porém, aqueles que
pensam que estas três camadas da capacidade crítica têm a sua matriz nas
classes sociais: quantos não conhecemos que apesar dos estudos superiores se
incluem naquela primeira camada? A falta de capacidade crítica é transversal às
classes sociais e não se confunde necessariamente com elas.
Segundo as estimativas disponíveis,
mais 650.000 portugueses com mais de 15 anos de idade não sabe ler nem escrever:
são analfabetos. Temos, ainda, um elevado grau de analfabetismo funcional
(iliteracia): estamos na cauda das estatísticas da OCDE e da União Europeia.
Trata-se de indivíduos, entre os 16 e os 65 anos, que são incapazes de qualquer
reflexão sobre um texto, um discurso, e, na maior parte das vezes, de usar a
leitura e a escrita em atividades quotidianas. Em 2003 Portugal teria uma taxa
de cerca de 48% de analfabetos funcionais: «pessoas que não percebem o que
estão a ler, ou têm dificuldade em entender parte da informação».
Como podemos, livre e
conscientemente, fazer as nossas escolhas políticas, principalmente eleger os
nossos políticos? A propaganda política é dirigida pelo marketing e não pelo pensamento e estratégia políticos; as escolas
não ensinam a pensar, limitam-se a escortinar aqueles com capacidade para
mostrar conhecimento.
Na lenta agonia do País nada mais
resta aos portugueses do que apelar ao centenário espírito messiânico, olhar
para o boletim de voto com o afinco de quem escolhe os números do euromilhões: será que é desta que
acerto?
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