domingo, 20 de novembro de 2011

União Europeia: depois da paixão, a realidade?

«― Por mais talentos com que tenhas sido dotado, nem sempre consegues encher a barriga, ao passo que, se tiveres um instinto apurado, isso garante-te que nunca passarás fome.» ― Haruki Murakami, 1Q84

Tradicionalmente Portugal sempre foi um País afoito a problemas: ciclicamente confrontamo-nos, como Nação, com problemas para os quais muitas das vezes não descortinávamos solução. Durante séculos lá nos fomos “desenrascando”, essa forma lusa de resolver os problemas no último minuto e “às três pancadas”.
Depois da euforia da década de 90 do século passado, caímos na realidade, sentimo-nos envergonhados por termos desbaratado quantias escandalosas de dinheiro em tão pouco tempo e de forma tão leviana. Tal como num namoro, depois do encantamento caímos na dura realidade do dia-a-dia: acabaram-se os jantares românticos à luz das velas, os fins-de-semana em locais cosmopolitas ou recônditos, as flores, os presentes sofisticados, etc.
Como se não bastasse, olhamos em volta à cata dos culpados e sentimo-nos impotentes, uns chegaram – inclusive com o nosso voto –  a lugares demasiado altos para que lhes possamos sequer tocar, outros passeiam-se pelo estrangeiro, outros, ainda, vivem pacatamente com reformas e subvenções escandalosas que achamos por bem atribuir-lhes pela sua dedicação à “causa pública”, uns quantos são reputados gestores de empresas de referência, e uns poucos vão, a conta-gotas, prestando contas à Justiça.
 Estamos falidos, sentimo-nos encavacados e resignamo-nos. Resignamo-nos à ditadura do poder económico, à severidade social das políticas económicas, à falta de um horizonte com que sonhar e de uma meta em que acreditar que não seja amealharmos dinheiro para reembolsar os nossos credores.
Durante quase nove séculos de história – da fundação à independência dos espanhóis, passando pelos descobrimentos –, soubemos usar o instinto para vencer os adversários e as adversidades, antecipando os perigos, congeminado soluções e gizando estratégias. Mas no final do século passado deixa-nos enamorar pela “bella” Europa, pelo dinheiro fácil, pelo reluzente desenvolvimento económico dos “parceiros” europeus, pelo perfume inebriante da riqueza dos estrangeiros, e negligenciamos como nunca antes havíamos descurado: acabamos com a agricultura e as pescas, produzimos apenas uma ínfima parte do que consumimos, gastamos o que tínhamos e o que não tínhamos, sabe-se lá em quê.
Percebemos, nesta época de aflição, que também a “bella” Europa já não nos olha com o mesmo olhar enamorado de há duas décadas: de melhor aluno da Europa – se é que alguma vez o merecemos ser –, rapidamente passamos a calaceiros e a quase indigentes. E agora?
Agora, temos uma União Europeia sem rumo nem estratégia, qual barco desgovernado ao sabor de ventos e marés, que não tem homem no leme para responder de viva voz às três rodas dos mostrengos dos mercados financeiros.
Como já escrevi, a União Europeia, tal como a conhecemos, desintegrar-se-á nos tempos mais próximos, e ignoramos qual o edifício político europeu que se poderá construir com os escombros. Portugal, talvez pela primeira vez, não teve um instinto apurado para antecipar tal desfecho. Ninguém pareceu verdadeiramente preocupado na destreza da matemática que fatalmente chega em fim de festa: durante anos, discutiu-se, de forma mais ou menos ardilosa, para ver quem pagava a festa, poucos se preocuparam como será ela paga...

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