quarta-feira, 23 de novembro de 2011

AUTO DA BARCA

Foi notícia na semana passada que o governo da Venezuela desistiu de comprar ao estado português um ferryboat produzido nos estaleiros navais de Viana do Castelo.

Dobraram os sinos, a pátria chorou.

De facto, exactamente há um ano, o governo daquele país, na pessoa do seu presidente Hugo Chávez, passou algumas horas às compras em Portugal na companhia do então primeiro-ministro português, José Sócrates. E um dos objectos do seu interesse comprador foi justamente o ferryboat que agora não quer comprar.

Na altura, o Sr. Chávez - logo após descer do carro que o próprio conduziu festivamente desde o aeroporto Sá Carneiro até aos estaleiros navais de Viana - depressa trepou ao convés da embarcação e dali à cabine produzindo com alegria uma promessa de compra que sinalizou com um buzinão. Contudo, pouco depois, já em terra firme, admitiu aos jornalistas que a razão da sua passagem por Portugal se resumia essencialmente a um gesto de solidariedade para com «o amigo» Sócrates, que atravessava um momento político difícil, não obstante se tratar, em seu entender, de «un buen hombre» e de «mui buena persona».

Passado um ano, ninguém poderá acusar o Eng. Sócrates de ser ainda primeiro-ministro de Portugal. Como talvez ninguém suspeite que possa ter deixado de ser, desde então, uma excelente pessoa. Pelo contrário, tudo levará a crer que a promessa de compra-e-venda de ferryboats ao estado português por parte do governo venezuelano se deveu menos à generosidade petrolífera do Sr. Chávez do que ao sincero reconhecimento das inequívocas virtudes de carácter do Eng. Sócrates.

Por conseguinte, resta concluir que ao actual governo venezuelano não parece bem celebrar negócios jurídicos com os adversários dos seus amigos; em especial com aqueles que venceram amigos seus através de eleições livres.E, nesse âmbito, estarão com certeza o governo venezuelano e o presidente daquela república ao abrigo do seu mais pleno direito: o direito à moda deles.


(Publicado no jornal «O Primeiro de Janeiro», em 22. 11)

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