sexta-feira, 1 de março de 2013



Ninguém vai acreditar que trocamos o “da” pelo “de”

«Ai, ai são trocas baldrocas,
Altas engenhocas
Que eles sabem inventar!
São palavras ocas,
Faz orelhas mocas,
Não te deixes enganar!.»
Cândida Branca Flor, “Trocas e Baldrocas”

Se, como canta Rui Veloso, «Ninguém vai acreditar / Que trocamos os vês pelos bés.», tão-pouco vão acreditar que, na célebre a “lei da limitação de mandatos”, se tenha trocado o “da” pelo “de”.
A Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto, foi aprovada em 28 de Julho de 2005, sendo Presidente da Assembleia da República Jaime Gama, e promulgada em 14 de Agosto de 2005, sendo Presidente da República, Jorge Sampaio e Primeiro-Ministro José Sócrates. Note-se que, naquele diploma, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006, estabelece-se, no seu artigo 1º, que «1- O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3.º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.» (cf. Diário da República electrónico, I Série-A, n.º 165, de 29 de Agosto de 2005).
Muitos anos e polémicas depois, o actual Presidente da República, Cavaco Silva, anunciou ter detectado um conveniente “erro de publicação”: as preposições “de” não corresponderiam à formulação original, aprovada na Assembleia de República, que conteria antes as preposições “da”: presidente da câmara municipal e presidente da junta de freguesia.
A Assembleia da República, chamada a pronunciar-se, remeteu o assunto para a aplicação da lei: ou seja, para os Tribunais.
Com o embuste presidencial e a hábil posição dos partidos (no caso, disfarçados de Parlamento), o já inquinado processo de limitação de mandatos sofreu uma machada final: já ninguém acredita que a lei seja para cumprir. Tão-pouco acredita que, depois de tantas pressões do poder político, os tribunais imponham, mais do que a letra, o espírito da lei: a renovação de autarcas.
Trata-se, pois, duma expedita transferência da questão do campo político para o campo judicial, com a vantagem de, a final, os políticos justificarem-se com a decisão – que esperam “favorável” – dos Tribunais. Esquecem-se, porventura, que as decisões que os Tribunais venham a tomar podem, até, emprestar um manto de legalidade às candidaturas autárquicas, podem até limpar a face dos candidatos e dos partidos, mas não limpam o carácter sórdido de todos quantos se enleiam nas viscosas teias da farsa política.
À política o que é da política, à justiça o que é da justiça.

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